Como o Trauma Sexual na Infância pode afetar o Risco de Contágio por HIV?

     

O Que é Trauma Sexual?

Tem sido difícil estabelecer uma definição precisa de trauma sexual, e como resultado, os conceitos usados em pesquisas, muitas vezes tornam-se confusos. Trauma sexual como o incesto ou abuso extra-familiar pode ser sutil ou também violento. As noções do que seria considerado apropriado em interação sexual são freqüentemente influenciadas culturalmente. Alguns escritores elaboram uma lista de possibilidades, começando com um evento do tipo despir-se na frente de um criança e seguem até o estupro 1, enquanto outros indicam que um evento é traumático quando ele está “fora da experiência normal” e que “a maioria das pessoas achariam que este evento é traumático”, que “muda a perspectiva do mundo das vítimas para sempre.”

Outros pesquisadores distinguiram entre contato “direto” e “indireto.” 3


Trauma sexual da criança apresenta-se nas formas mais diversas e seria influenciado pelas personalidades da vítima e do agressor, a natureza do evento sexual, o meio-ambiente da criança e também as respostas da meio-ambiente ao evento.  Uma definição útil é a seguinte: “O termo Trauma Sexual refere-se aos eventos perpetrados pelo agente mais poderoso contra uma vítima menos poderosa envolvendo esta vítima, em situações de limite sexual, sexualidade, senso de orientação sexual, identidade ou integridade. Esta definição inclui o incesto, contato extra-familiar com uma pessoa, instituição ou outro agente que tenha mais poder que a vítima. Os eventos que são traumáticos produzem efeitos resultantes que talvez não serão reconhecidos antes da maturidade. 

Estes efeitos:
1) criam na vítima  vulnerabilidade a traumas ou danos seguintes;
2) correspondem a uma auto-estima danificada e instável;
3) também são sexuais ou eróticos por natureza.
 

Trauma Sexual da Criança e Infecção por HIV pelo Adulto são Relacionadas?

Antes de 1991, “pesquisas tinham falhado na explicação do motivo pelo qual alguns indivíduos continuavam inatingíveis pelos esforços de educação sobre HIV 5.” Desde a década de 90 as, pesquisas indicaram consistentemente uma ligação significativa entre abuso físico e sexual da criança e infecção pelo HIV. Numa pesquisa avaliando o comportamento do 186 pessoas em relação ao risco de contração de HIV, foi descoberto que:

1) pessoas que haviam sido estupradas tinham uma probabilidade quatro vezes maior de praticar sexo em troca de dinheiro;

2) mulheres que reportaram abuso sexual tinham uma probabilidade três vezes maior de engravidar antes dos 18 anos de idade;

3) homens que indicaram uma história de abuso sexual tinham uma probabilidade duas vezes maior de se tornarem soropositivos;

4) sobreviventes de trauma sexual demonstraram fazer sexo com estranhos mais freqüentemente e usavam preservativos com menos freqüência que as pessoas que não foram abusadas.6

Outras pesquisas indicaram que os homens abusados apresentavam maior probabilidade de fazer sexo sem camisinha e também de já serem soropositivos. 7 Numa pesquisa de 2708 rapazes de escolas de segundo grau e 2582 moças da mesma idade, Lodico e Clemente descobriram que adolescentes abusados começaram a atividade sexual mais cedo (do que aqueles que não indicaram abuso) e também apresentaram menor uso de preservativos. Na mesma pesquisa, eles descobriram que garotos abusados foram significantemente mais prováveis a praticar o uso de drogas intravenosas compartilhando a seringa.
 
 

Mas como o Trauma Sexual Afeta o Risco de HIV?

Há uma série de efeitos resultantes e de sintomas que são reconhecidos (combinados) como associados tipicamente a uma experiência de trauma sexual. Muito do que eventualmente é nomeado “sintoma” pode ser relacionado a reações naturais a um meio ambiente profundamente insalubre e anormal. Cada sintoma começa como uma resposta a circunstâncias que nenhuma criança deveria agüentar. E alguns dos sintomas que são efeitos do abuso sexual na infância apresentam um perigo particular para os sobreviventes quanto ao aumento do risco de se infectarem pelo HIV. 9

 A experiência de trauma geralmente cria no indivíduo problemas relacionados à ansiedade. Em geral, os sintomas do sobrevivente são organizados para combater os efeitos da ansiedade. Tais sintomas, apresentam-se, com freqüência, fisicamente, e os mecanismos que os sobreviventes usam para lidar com esta ansiedade são normalmente físicos por natureza. Por exemplo, uso de drogas, comida ou sexo para apaziguar são freqüentemente utilizados pelo sobrevivente para lidar com a ansiedade. Quando uma pessoa usa drogas ou sexo compulsivamente, raramente pensa em risco de contrair HIV. 10 Para usuários de drogas injetáveis pode haver um risco duplo de compartilhar seringas contaminadas combinado com prática sexual sem proteção.11

  Sintomas típicos de incesto e trauma sexual na infância podem incluir um período de promiscuidade ou prostituição (estudos indicam que 75% das prostitutas relatam histórias de abuso sexual). 12 A resposta de depressão é muito comum em pessoas que sobreviveram a um trauma. O sentimento de desespero, desânimo e inutilidade claramente reduzem a habilidade do sobrevivente em tomar precauções contra infecção pelo HIV. E, diferentemente de pessoas deprimidas que não sofreram abuso sexual, os sobreviventes com a depressão, são mais propensos a terem um comportamento auto-destrutivo e ativa ou passivamente suicida. 13
 

Como o Trauma Sexual Pode Frustrar os Esforços de Prevenção Contra o HIV?

Vítimas de abuso sexual, freqüentemente minimizam as suas próprias opiniões ou não têm consciência do(s) evento(s) nocivos nos quais está envolvido. Dessa maneira, o sobrevivente pode estar sofrendo de sintomas ou dores para os quais ele próprio não tem explicações. Esse tipo de repressão de memória é raramente limitada a um evento em particular e, em última análise, pode impedir que o sobrevivente entenda o seu comportamento e perceba as conseqüências do mesmo.

Para entender a sua incapacidade de praticar sexo seguro efetivamente, é importante compreender certos mecanismos de defesa psicológica que são comuns a muitos sobreviventes. Por exemplo, o mecanismo de negação pode fazer com que o adulto acredite que o seu histórico de abuso sexual tem pouco ou nenhum impacto sobre sua vida e comportamento. A negação pode, portanto, permitir que ele negue comportamentos de risco ou compreenda-os como alguma outra coisa. Quanto à transmissão do HIV, o mecanismo de negação cria um sutil (embora potente) obstáculo para aceitação de mensagens educacionais – preventivas. 14

A dissociação, talvez a defesa mais comum entre os sobreviventes é o mecanismo que inicialmente permitiu que a pessoa sobrevivesse ao trauma do abuso sexual. Esse mecanismo originalmente atuou no sentido de ajudá-la a remover-se da realidade do incidente enquanto ele ocorria. No entanto, a dissociação pode continuar a ser utilizada pelo sobrevivente adulto. Estes, freqüentemente dissociam, em momentos de intensa emoção, especialmente durante a atividade sexual. Assim, já adultos, eles desenvolvem uma maneira de lidar com o problema recalcando as experiências dolorosas e sentimentos intensos para o inconsciente. Eles normalmente relatam que ficam “paralisados” durante a atividade sexual, voltando-se ao mecanismo de dissociação de seus corpos, um recurso que outrora lhe serviu para suportar os traumas sexuais. Nesse sentido, o sobrevivente pode não estar “presente” durante a atividade sexual que envolva risco. Assim, esse mecanismo pode interferir na habilidade da pessoa em proteger-se adequadamente contra o HIV. 15
 

O que pode ser feito?

Questões sobre abuso sexual ou físico e a compreensão dos efeitos resultantes associados com trauma devem ser parte de qualquer intervenção de prevenção contra HIV. Pessoas trabalhando na área de prevenção ou com pessoas HIV positivas precisam conhecer os sintomas de trauma sexual sem preconceitos. 16 Pesquisas devem ser especialmente estruturadas para focalizar o sobrevivente e eliminar o risco de comportamento nocivo, e profissionais de saúde mental devem incluir uma discussão sobre sexo seguro com seus clientes. Os esforços de prevenção precisam avaliar o sucesso de seus programas e estar flexíveis e criativos para criar novos métodos de prevenção que enfrentem os sintomas e os efeitos resultantes do trauma que podem atrapalhar as intervenções de prevenção.
 

Escrito por James Cassese
Revisão Técnica: Francisco R. A. de Moura e Robson Colosio

Edição brasileira NEPAIDS  USP
1998

 
 

Sobre Prevenção de AIDS

Quem disse?

1. Hunter, Mic. 1990. Abused Boys: The Neglected Victims of Sexual Abuse. MA: Lexington.

2. McCann, I.L & Pearlman, L.A. 1990. Psychological Trauma and the Adult Survivor. NY: Bruner Mazel.

3.Mendel, M. 1994. The Male Survivor: The Impact of Sexual Abuse. CA: Sage Publications.

4.Cassese, J. 1998. “Integrating the Experience of Childhood Sexual Trauma in Gay Men.” in Integrating the Shattered Self. J. Cassese (ed). Haworth Press (in press).

5.Allers, C., Benjack, K., White, J., Rousey, J. 1993. HIV Vulnerability and the Adult Survivor of Childhood Sexual Abuse.” Child Abuse and Neglect. Vol 17, 291-8.

6. Zierler, S., Feingold, L., Laufer, D., Velentgas, P., Kantrowitz-Gordon, I., Mayer, K. 1991. “Adult Survivors of Childhood Sexual Abuse and Subsequent Risk of HIV Infection. Vol. 81. No.5, May.P. 572-5.

7.Cunningham, R. Stiffman, A. Earls, F. 1994. “The Association of Physical and Sexual Abuse w/HIV Risk Behaviors in Adolescence and Young Adulthood: Implications for Public Health.” Child Abuse and Neglect. Vol. 18. No. 3, pp. 233-45.

8.Lodico, M, DiClemente, R. 1994. “The Association Between CSA and Prevalence of HIV-Related Risk Behaviors. Clinical Pediatrics. Vol 33, No. 8, pp. 498-502.

9.Cassese, J. 1993. “The Invisible Bridge: Childhood Sexual Trauma and HIV Infection in Adulthood.” Journal of Sex Information and Education Council of the United States. 21:4. Apr/May, pp. 1-7

10.Stall, R. et alli. 1986. “Alcohol and Drug Use During Sexual Activity and Compliance with Safe Sex Guidelines.” Health Education Quarterly. 13 (4): 359-371.

11.James, J & Meyerding, J. 1977. “Early Sexual Experience and Prostitution.” American Journal of Psychiatry. 133:1381-5.

12.Faria, G & Belohlavek, N. 1984. “Treating Female Adult Survivors of Childhood Incest.” Social Casework. 65:465-471.

13.Briere, J & M. Runtz. 1986. “Suicidal Thought and Behaviors in Former Sexual Abuse Victims.” Canadian Journal of Behavioral Science.18:413-423

14. Cassese, J. 1993. Op cit.

15. Ibid

16. Allers & Benjack, 1991. Op cit.


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